Comunicades deste mês

Comité Central, segunda-feira, maio 29, 2006

  Geração Entalada

Aqui há uns tempos um qualquer político, ranhoso com certeza, apelidou uma geração inteira como "geração rasca".
E claro que não estava a falar da dele.

Ora há por aí uma geração de que nunca ninguém fala. É uma geração que foi bem lixada, sem dúvida. Continua a sê-lo e parece que há-de sempre sê-lo. Uma geração incómoda, que assistiu a muitas transições, muita bagunça, viu desaparecer a ordem autoritária, dogmática e repressiva e no lugar dela aparecer a bagunça revolucionária, o caos instituído, a destruição sistemática da riqueza em nome de ideais idiotas, em suma, a verdadeira tomada da pocilga pelos porcos.

Essa geração, ainda miúda, sofreu na pele os restos da colonização, a bagunça da "descolonização" e os "feitos" da revolução. Passou, crescendo, pelo vazio da "transição" e agora, madura e no seu auge, assiste à "economização".

Onde é que esta geração entrou no circuito?
Em lado nenhum!

Passou-se dos caquéticos instituídos para os revolucionários convencidos. Depois vieram os manhosos e sabidos liderar as rédeas do poder em seu proveito próprio. Enquanto isso a tal geração sofria com as "experiências" demagógicas da "democracia" em que Portugal era uma República a caminho do "socialismo". Isto estava na constituição. Cresceu a ver destruir o ensino estabelecido para o substituir pela bagunça consentida. "Queremos todos ir para a Universidade" que era anteriormente uma coisa dos "fascistas" e agora era do "Povo".

Destruiu-se o ensino técnico e abandalhou-se o ensino superior. Foi a época das passagens "Administrativas", altura de onde provêm muitos dos actuais governantes. Depois até houve um ano que passou a ser dado na televisão. Pouco depois tudo aquilo que cabia em 11 anos deixou de caber em 12. Inventaram-se os "numerus clausulus", termo em Latim para não ter de se definir em Português semelhante vergonha. Depois criaram-se as "Modernas" universidades privadas e os tais "numerus clausulus" passaram a ter outro significado. Pegou-se na matemática e alterou-se de sobremaneira o significado da distribuição da curva de Gauss. As médias alteraram-se e a curva do sino deslocou-se para a direita: em vez da distribuição média ser em volta do 10 acabou em volta do 18, muito graças às universidades privadas onde a nota gravita em torno da outra nota.

Estatísticamente, do ponto de vista Gaussiano, passámos a ser um país de génios: 90% dos alunos que querem entrar, por exemplo em Medicina, tem média acima de 18. Mas ainda havia médias tristes fora do esquema Gaussiano. Foi aí que interveio o Aníbal. Pela via administrativa acabou com o insucesso escolar legislando que os alunos só podiam chumbar 2 vezes até ao 9º ano. Sábia medida, ficámos logo na média europeia. O problema foi a quantidade de analfabetos que começou a chegar às Universidades.

E a tal geração, onde ficou? Bem, transitou por tudo isto sempre pela parte mais lixada. Não tinha idade para as passagens administrativas e acabou por apanhar com o Serviço Cívico e depois o Propedêutico pela televisão, tudo para atrasar a entrada na Universidade. Ilustre ideia do Sotto Mayor Cardia como meio pedagógico ideal para putos dos 16 aos 18 anos. Aliás, isto foi o início da onda das telenovelas. Lá houve quem, com mais ou menos esforço, conseguisse entrar para um dos 12 cursos-estabelecimentos que tinha de se escolher às cegas. Muitas vezes nem se conhecia o estabelecimento nem o curso. Muitos nem entraram nem estiveram para aturar tanta palhaçada e foram trabalhar.

Mas a banalização do ensino superior foi de tal ordem que nem hoje um curso desses vale grande coisa, tirando honrosas excepções, nem alguém sem um tal curso consegue fácilmente um lugar de escriturário. É vê-los às carradas, licenciados em Direito, como motoristas de taxi, como almeidas (técnicos sanitários), etc. Como pode um humilde ser da tal geração competir com tamanhos requisitos? Lá se vão safando, pelas sombras e pelos cantos, até já não terem idade para trabalhar mas ainda serem muito novos para a reforma. Quanto aos cursos superiores, deixaram de ter qualquer valor acrescentado. Há 30 ou 40 anos valia mais no mercado de trabalho o antigo 5º ano (9º ano actual) do que vale hoje um banal curso superior. A banalização e o facilitismo levaram os cursos abaixo dos níveis do que eram antes cursos técnicos de 3 anos. E é para aí que vão apontar quase todos os cursos superiores no futuro. Quem puder que vá tirar uns MBAs lá fora se quer ter mais algum valor acrescentado. Aliás, de preferência que tire o curso todo lá fora, assim dispensa o MBA. Isto perpetua a tendência de elitização de origem económica: não é com base na qualidade da matéria cinzenta que se consegue ir tirar um curso lá fora. E mesmo quando se conjugam as duas coisas na mesma pessoa, quem tem matéria cinzenta de qualidade não vem oferecê-la para cá.

Mas o que é que isto tem a ver com a tal geração?
É uma geração que até está no auge. Toca de tomar a rédea das coisas nas suas próprias mãos e fazer o que deve ser feito, já dizia o outro, a bem da Nação. Afinal o que é que se passa?

Bem, está-se a tirar a geração dos cinquentas, a tal das passagens administrativas, e a colocar os putos abaixo dos 30, os tais que chegam quase analfabetos à Universidade, onde muitos acabam por tirar uns cursos equivalentes a Dactilógrafos. Substitui-se a incompetência pela ignorância.

Pelo meio fica uma geração entalada. Nem carne nem peixe, apanhada entre duas épocas, lixada em duas épocas, não compactua com incompetências nem se revê nas indolências que se quiseram criar nas gerações das telenovelas e dos surfistas. Ainda se lembra, mal, do que era antes, lembra-se dolorosamente do que foi a transição, vê com desagrado o que é hoje e imagina com aflição o que vai ser amanhã.

Mas está de mãos atadas. A geração das passagens administrativas não quer que ninguém lhes venha cobrar pelas incompetências que se lhes reconhece sobejamente. Assim opta por fazer substituir-se pela geração dos surfistas e das telenovelas, a qual não os contesta. E não só por respeito para com os avós.

É sobretudo porque não têm capacidade para tal e porque querem conservar o emprego!

Isto é tudo a bem da Nação...

  Bocas da reacçãm:

Expuseste muito bem o problema... de tal forma que ainda estou a tentar assimilar tudo o que dizes. Não é fácil. Focas questões diversas mas pertinentes: a educação; o ser-se velho demais para trabalhar e novo demais para a reforma...
A vida está difícil, neste momento, para todas as gerações. Para os jovens um anúncio pede normalmente licenciatura e três anos de experiência... era preciso sermos sobredotados...
 

A questão essencial é haver uma geração eclipsada, que anda a ser "protelada" desde que se lembra. Agora, na altura em que pela ordem natural das coisas devia ocupar os lugares que fazem a diferença, aqueles que permitem agir, vê nesses lugares serem colocados "putos", os mais "velhos" com 30 os mais novos com pouco mais de 20, de dubia competência e muita inexperiência mas da filiação partidária certa, em substituição dos "afastados" da geração dos cinquentas e picos, mesmo os que tinham a filiação certa.

A razão por detrás desta manobra socrática é difícil de descortinar mas não deve andar muito longe da sugerida. O resultado é que é atroz: a destruição sistemática da pouca organização que ainda restava em muitos sectores controlados, directa ou indirectamente, pelo Estado. Estamos na era dos dirigentes com cara de bebé chorão, enfiados em fatinhos comprados à pressa e nos quais se sentem pouco à vontade, ou com rabinhos de cavalo, pinta de yupie e elásticos a condizer.

O problema é que quer a competência, quer a qualificação, quer a experiência estão fora dos pressupostos de acesso aos cargos que ocupam. Vêem-se alegremente, estampados por aí na net, os currículos desse pessoal "dirigente" nos quais constam cursos e seminários de um dia, uma manhã ou mesmo de algumas horas, como sendo mais valias de destaque. Depois sabe-se, ou melhor sabe quem está por dentro, o que resulta da iluminada "gestão" destes ilustríssimos. Chegam e põem na prateleira pessoal competente, mas incómodo. Passam pouco tempo depois a rodear-se e a fazer-se acompanhar dos abutres incompetentes que antes lá havia a um canto, e que por vicissitudes do sistema nunca é possível descartar convenientemente. São graxistas, habituados a explorar o ego dos fracos de espírito em proveito próprio, e que trepam por isso junto destas inseguras sumidades, coisa que não conseguiriam com alguém mais experiente.

Não sei se a intenção original era genuína quanto a utilizar a geração mais recente, mas penso que não. Teria sido lógico seguir o caminho natural, estabelecido pela praxis e validado pelo tempo, de substituir uma geração pela seguinte de forma a assegurar a continuidade sem quebras. Esta opção é mais no sentido da destruição por dentro, minar e enfraquecer o sistema para depois o moldar da forma que se pretende: manso. É também a política da terra queimada, implementada com prepotência e arrogância. Muitas medidas sem um fim claro e definido, até parece que se fez muito ou pelo menos que se tentou. Nada mais enganador, mas o povinho papa, mesmo o mais esclarecido e letrado. Não é por acaso que se compram guerras a torto e a direito em sectores fortes e incómodos. A dos professores é só a mais recente, acautelem-se: vão vir por aí cortes de privilégios, reais ou fabricados, e uma campanha para intoxicar a opinião pública na hora certa. Depois impôe-se o que se pretende por Decreto, enquanto se finge negociar, e o povinho até aplaude. Acontece que o sistema de ensino anda a pesar muito no erário público e em termos práticos é pouco eficiente.

O que interessa é apertar, ao máximo, para conseguir esmifrar, o máximo, logo no primeiro mandato. Com o Aníbal isso só aconteceu no segundo, mas estes estão inseguros do próximo resultado eleitoral e por isso têm metas concretas já para este.

Claro que os filhinho deles estão a estudar lá fora. Preparam-se diligentemente, entre duas "rave parties", para substituir os papás daqui a uns anos.

A bem da Nação, claro...
 

Afinal de contas, é ou não rasca?
 

Assim à distância, com a lucidez que nos dá o tempo, parece que a única geração que demonstrou ser mesmo rasca é a do tal dirigente que por acaso a "descobriu"...
 

Ao Senhor Eric Blair:
eu volto a dizer o que sempre afirmei: não há "gerações rascas" mas "gerações à rasca"... agora há indivíduos cujo adjectivo "rasca" não se aplica por ter uma semântica demasiado "soft" para lhes ser atribuída.

Nikita:
como tu disseste (e bem) as gerações mais novas são mais fáceis de moldar e manipular...
Quanto à recente guerra e tentativa (já em muito alcançada) de descredibilizar o grupo docente... enfim, nem quero pensar muito no assunto... Um país em que a educação é assim tratada há-de ir muito longe... "hades", "hades"...
 

Mandar uma boca


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